Níveis de Prevenção em Saúde: Do Modelo Clássico ao SUS e a Discussão da Prevenção Quinquenária

A prevenção em saúde é um dos pilares da Medicina e da Saúde Pública moderna. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que até 70% das mortes prematuras poderiam ser evitadas com estratégias preventivas adequadas. No Brasil, o Ministério da Saúde reforça que investir em prevenção fortalece o Sistema Único de Saúde (SUS), melhora a qualidade de vida da população e reduz custos hospitalares. Ao longo da história, o conceito de níveis de prevenção passou por reformulações importantes, desde os modelos clássicos até debates recentes que incluem a chamada “prevenção quinquenária”.

Neste artigo, explicamos cada um desses níveis, como eles funcionam na prática e como você pode aplicá-los para viver mais e melhor.

O Que São os Níveis de Prevenção em Saúde?

Os níveis de prevenção em saúde são estratégias organizadas para evitar doenças, reduzir complicações e promover o bem-estar da população. Cada nível atua em um momento específico da história natural das doenças, desde a prevenção de fatores de risco até a proteção contra danos decorrentes do excesso de intervenções médicas. No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) reconhece oficialmente cinco níveis: primordial, primária, secundária, terciária e quaternária, cada um com objetivos e ações distintas, mas complementares, que permitem um cuidado integral e contínuo à população.

Modelo Clássico de Leavell & Clark

O modelo clássico de prevenção foi descrito em 1965 pelos epidemiologistas Leavell e Clark, na obra Preventive Medicine for the Doctor in His Community. Nesse marco histórico, a prevenção foi organizada em três níveis fundamentais: a prevenção primária, que busca impedir que a doença ocorra; a prevenção secundária, que objetiva diagnosticar cedo e tratar imediatamente; e a prevenção terciária, que visa reduzir complicações e sequelas em doenças já estabelecidas. Esse modelo, apesar de ter mais de meio século, permanece como base da Medicina Preventiva e é amplamente reconhecido em manuais acadêmicos, concursos e diretrizes internacionais.

Prevenção Primordial

Com o tempo, novos conceitos foram incorporados. Em 1978, o médico G. Strasser introduziu a prevenção primordial, inicialmente voltada para as doenças cardiovasculares. Seu objetivo era evitar que fatores de risco chegassem a se instalar na população, como o tabagismo, a obesidade ou a inatividade física. Rapidamente, essa ideia foi reconhecida pela OMS e pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) como parte essencial das políticas de enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis.

Prevenção Quaternária

Já na década de 1980, o médico belga Marc Jamoulle apresentou a prevenção quaternária, voltada para proteger os pacientes contra o excesso de medicalização, evitando diagnósticos e tratamentos desnecessários que podem gerar mais danos do que benefícios. Em 2003, a WONCA (World Organization of Family Doctors) reconheceu oficialmente o conceito, que desde então passou a integrar diretrizes da Medicina de Família e Comunidade em vários países, inclusive no Brasil.

O SUS e os Níveis de Prevenção

Atualmente, na prática brasileira, o SUS estrutura suas ações de acordo com quatro níveis principais de prevenção: primária, secundária, terciária e quaternária. A prevenção primária: desenvolvida na Atenção Básica, especialmente pela Estratégia Saúde da Família, inclui vacinação, campanhas educativas e promoção de hábitos saudáveis. A prevenção secundária: envolve programas de rastreamento e diagnóstico precoce, como mamografia e Papanicolau. A prevenção terciária: ações de reabilitação e acompanhamento de doenças crônicas. Por fim, a prevenção quaternária: prevenção contra excessos médicos e iatrogenia, aplicando medicina baseada em evidências e uso racional de exames e medicamentos.

Embora a Prevenção Primordial seja reconhecida pela OMS e por autores acadêmicos como Almeida (2005), ela não aparece formalmente como um nível adotado pelo SUS. No sistema brasileiro, ações que poderiam ser classificadas como primordiais (ex: políticas contra tabagismo, regulação da publicidade de ultraprocessados, urbanismo saudável) são tratadas como políticas intersetoriais e de promoção da saúde, mas não estão listadas de forma oficial como um “nível de prevenção” do SUS.

Relação com a História Natural da Doença

A compreensão desses níveis de prevenção está intimamente relacionada à história natural das doenças, que descreve a evolução de uma enfermidade desde o estado de saúde até seus desfechos possíveis, sem qualquer intervenção. No período pré-patogênico, quando ainda não há doença instalada, atuam a prevenção primordial e a primária: a primeira evita que fatores de risco surjam no ambiente, enquanto a segunda busca impedir que, diante desses riscos já existentes, a doença se instale. No início do período patogênico, a prevenção secundária se mostra essencial, pois diagnostica e trata precocemente. Quando a doença já está estabelecida, a prevenção terciária procura reduzir sequelas e complicações. Finalmente, em estágios mais avançados ou em situações de excesso de intervenções, a prevenção quaternária atua para proteger o paciente da iatrogenia.

Diferença entre Primordial e Primária e Promoção da Saúde

É importante diferenciar a prevenção primordial da promoção da saúde, pois esses conceitos frequentemente se confundem. A prevenção primordial atua antes mesmo do surgimento de fatores de risco, modificando o ambiente e as políticas públicas que poderiam favorecê-los. Já a promoção da saúde, considerada parte da prevenção primária, atua sobre indivíduos e comunidades, incentivando escolhas e comportamentos mais saudáveis. Portanto, a primeira é estrutural e preventiva em nível populacional, enquanto a segunda é educativa e voltada ao cotidiano das pessoas. De forma semelhante, a prevenção primordial também não deve ser confundida com a prevenção primária: enquanto a primordial impede o surgimento dos fatores de risco, a primária age quando esses riscos já existem, buscando evitar que a doença apareça.

Prevenção Quinquenária

Nos últimos anos, surgiu ainda a discussão sobre uma possível ampliação do esquema com a chamada prevenção quinquenária, também conhecida como quintenária. O conceito foi descrito pela primeira vez em 2014 pelo médico português José Agostinho Santos e aprofundado em estudos recentes, especialmente durante a pandemia de COVID-19, quando o desgaste dos profissionais de saúde se tornou ainda mais evidente. A prevenção quinquenária se diferencia das demais porque não atua diretamente sobre o paciente, mas sobre o médico e a equipe de saúde. Seu propósito é prevenir o dano ao paciente a partir do cuidado com a saúde mental, o equilíbrio biopsicossocial e a prevenção do burnout entre os profissionais. Em resumo, “a prevenção quinquenária está cuidando de quem cuida”.

Em resumo, as estratégias de prevenção quinquenária incluem:

  • Administração/governo: políticas de valorização profissional e prevenção da sobrecarga.
  • Indivíduo: autocuidado, suporte psicológico, grupos Balint.
  • Comunidade/paciente: relações médico-paciente mais equilibradas.
  • Local de trabalho: melhores condições estruturais, gestão de carga horária, suporte organizacional.
Prevenção Quartennária e Quinquenária

Enquanto a prevenção quaternária protege o paciente dos excessos médicos, a prevenção quinquenária busca proteger o médico do desgaste, criando condições para que ele cuide melhor de seus pacientes. Estratégias como grupos de apoio entre profissionais, programas de mindfulness, prática regular de atividade física, suporte organizacional, respeito aos limites da jornada de trabalho e políticas de valorização do profissional de saúde são apontadas como centrais nesse processo. Ainda que não seja oficialmente reconhecida pela OMS, pela WONCA ou pelo Ministério da Saúde, a proposta tem sido discutida em ambientes acadêmicos e em países como Portugal, Espanha e Brasil, ganhando importância sobretudo na Medicina de Família e Comunidade.

Doença x Enfermidade

Essa reflexão também remete a outro ponto fundamental: a diferença entre doença e enfermidade. A doença corresponde ao processo biológico objetivo, identificado por alterações orgânicas e sinais clínicos, enquanto a enfermidade diz respeito à experiência subjetiva da pessoa diante desse processo, incluindo sintomas, percepções e impactos sociais. Duas pessoas podem compartilhar a mesma doença, mas vivê-la de maneiras distintas como enfermidade, o que reforça a necessidade de um olhar integral no cuidado.

Conclusão

Os níveis de prevenção mostram uma evolução contínua: do modelo clássico (primária, secundária, terciária) para a inclusão da primordial e da quaternária, e agora para a proposta da quinquenária.

No SUS, estão oficialmente reconhecidos quatro níveis – primária, secundária, terciária e quaternária. A prevenção primordial aparece mais como conceito teórico e político do que como nível formal. Já a quinquenária surge como um alerta essencial: para garantir um sistema de saúde resiliente, é preciso cuidar também dos profissionais que cuidam da população.

Em síntese, a evolução dos níveis de prevenção em saúde demonstra que a Medicina vai muito além do tratamento. Trata-se de um campo que busca antecipar riscos, reduzir complicações e proteger tanto os pacientes quanto os profissionais de saúde. No Brasil, os cinco níveis reconhecidos pelo SUS — do primordial ao quaternário — organizam as políticas públicas de prevenção. A prevenção quinquenária, embora não oficial, aparece como um alerta valioso: para oferecer cuidados de qualidade à população, é indispensável garantir também o bem-estar dos profissionais que estão na linha de frente.”

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Referências
  • Medcel. Você conhece os 4 níveis estratégicos da medicina preventiva? 2021.
  • Santos JA. Prevenção quinquenária: prevenir o dano para o paciente, actuando no médico. Rev Port Med Geral Fam. 2014;30:152-4.
  • Almeida LM. Da prevenção primordial à prevenção quaternária. Rev Port Saúde Pública. 2005;23(1):91-96.
  • Loureiro II. A Importância da Prevenção Quinquenária: Uma Reflexão Crítica. Gazeta Médica. 2023.
  • Abrasco. Gastão Wagner fala sobre a medicina preventiva no SUS. 2018.
  • Cadernos de Saúde Pública – artigos sobre prevenção e SUS. Fiocruz.
  • Medcel. Você conhece os 4 níveis estratégicos da medicina preventiva? 2021.

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